A costa da cidade de Luanda registou uma contaminação marinha visível, aparentemente causada por um afloramento de algas. Este fenómeno, que cobriu uma extensa área costeira, levantou preocupações quanto à saúde do ecossistema marinho, à qualidade da água e ao impacto nas actividades socioeconómicas locais, como a pesca e o turismo. Este artigo informativo tem como objectivo apresentar o resultado da investigação que analisou as causas do afloramento de algas na costa de Luanda, avaliando o nível dos seus impactos, e sugerindo medidas de mitigação. Esta investigação foi feita por uma equipa composta por biólogos e gestores ambientais voluntários da EcoAngola e dos Guardiões da Costa Mwangolé, desde o dia 15 ao dia 30 de Setembro de 2024.


Metodologia
- A metodologia foi conduzida por meio de uma abordagem observacional sistemática, com colecta de amostras para testes e a realização de entrevistas direccionadas. Isso proporcionou uma análise mais precisa do fenómeno e do seu impacto na vida dos moradores e pescadores, garantindo a obtenção de dados qualitativos e quantitativos essenciais para o compreender:
- Recolha de Amostras: Foram recolhidas amostras de água na Ilha de Luanda (Floresta) no dia 16 de Setembro, para identificar a composição das algas, e no dia 19 de Setembro, no mesmo local, para analisar possíveis contaminantes. Estas amostras foram levadas a um laboratório independente para análise de parâmetros físico-químicos.
- Identificação de Algas: Microscopia e técnicas de identificação morfológica por observação foram utilizadas para identificar a(s) espécie(s) predominante(s) no afloramento.
- Entrevistas Locais: Foram realizadas entrevistas com pescadores e moradores locais para recolher informações sobre a evolução do fenómeno e o impacto nas actividades quotidianas.
- Análise de imagens de satélite: Foram revistas imagens de satélite entre o dia 1 de Maio de 2024 e o dia 26 de Setembro de 2024, com o objectivo de identificar picos de afloramento na costa. Isto foi motivado pelas denúncias de episódios de contaminação ao longo da Ilha de Luanda recebidas nos últimos três meses. Um fenómeno semelhante foi relatado em Benguela durante o mesmo período, porém, até à data, não temos conhecimento de qualquer investigação ou resultados específicos para a província de Benguela.


Resultados
As análises das amostras recolhidas ao longo da Ilha de Luanda no dia 19 de Setembro indicaram uma alta concentração de algas pertencentes à espécie Noctiluca scintillans. Esta espécie é um dinoflagelado conhecido por causar florações bioluminescentes, mas também pode estar associada à deterioração da qualidade da água (excesso de nutrientes e mudanças de temperatura) em caso de crescimento excessivo, sendo que a sua abundância flutua sazonalmente. Não foi possível identificar os outros microorganismos presentes nas amostras.

- O nível de clorofila-a na água do mar é um indicador comum de afloramentos de algas. Um afloramento geralmente ocorre quando a concentração de clorofila-a ultrapassa os níveis normais de base. Parâmetros típicos:
- Níveis normais em águas costeiras podem variar entre 0,1 e 1,0 mg/m³.
- Afloramento de algas geralmente é indicado por níveis de clorofila-a geralmente acima dos 10 mg/m³.
- Para afloramentos intensos, as concentrações podem atingir entre 20 e 50 mg/m³ ou mais, dependendo da localização e das condições ambientais.
Os valores exactos variam de acordo com o tipo de ambiente marinho (costeiro, oceânico aberto, etc.) e as condições locais. Em águas costeiras, mesmo concentrações abaixo de 10 mg/m³ podem ser consideradas indício de um afloramento.
De acordo com a análise feita com o Copernicus Marine Service, os níveis de clorofila-a na costa da Ilha de Luanda em 2024 foram os mais altos dos últimos 3 anos, conforme a figura acima. O pico foi entre os dias 8 à 15 de Julho de 2024, conforme a figura abaixo. Este é um indicador para um possível afloramento de algas, que como as denúncias e a investigação preliminar indicaram, de facto se sucedeu. Durante este período de pico, os níveis de clorofila-a perto da ilha de Luanda variaram entre 4 à 7 mg/m3.

Também de acordo com a análise do Copernicus Marine Service, durante os últimos 3 anos, é no mês de Maio que começam a aumentar os níveis de clorofila-a, atingindo um pico entre Julho e Agosto, e começando a reduzir em Setembro. Esta, poderá ser, uma das formas rápidas e baratas de detectar possíveis afloramentos futuros.
Das amostras recolhidas no dia 19 de Setembro de 2024, foram realizadas análises físico-químicas para identificar as quantidades de diferentes componentes presentes na água [ver estudo completo para descrição completa dos parâmetros analisados].
- Embora não haja um padrão universal, a Organização Mundial para a Saúde (OMS) e a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) recomendam:
- Oxigénio Dissolvido (OD): Quando o OD cai para 2 mg/L, apenas peixes mais resistentes conseguem sobreviver. Níveis superiores a 5mg/L são geralmente adequados à vida marinha.
- Foi possível observar e confirmar pelos testemunhos da comunidade local, a presença de peixes mortos à beira-mar, o que sugere que os níveis de OD possivelmente estiveram abaixo de 2mg/L durante o pico do afloramento.
- Nitratos (NO₃⁻): Concentrações acima de 1 mg/L podem indicar possível poluição em ambientes aquáticos. A OMS recomenda que os níveis de nitrato em águas costeiras não devem exceder 10 mg/L para proteger a vida aquática e a saúde pública.
- Na análise realizada, as amostras demonstraram níveis superiores ao recomendado.
- Fosfatos (PO₄³⁻): Acima de 0,1 mg/L, pode-se observar o início de problemas de eutrofização. Níveis superiores a 0,5 mg/L são considerados críticos e podem prejudicar a saúde dos ecossistemas marinhos.
- Na análise realizada, as amostras demonstraram níveis superiores ao recomendado.
- Oxigénio Dissolvido (OD): Quando o OD cai para 2 mg/L, apenas peixes mais resistentes conseguem sobreviver. Níveis superiores a 5mg/L são geralmente adequados à vida marinha.
Como demonstrado acima, os três parâmetros indicam um nível ligeiramente elevado de Nitratos (NO₃⁻) e Fosfatos (PO₄³⁻).
Limitações
- Apesar de informativo, este estudo tem várias limitações identificadas pela equipa de investigação:
- Falta de recursos para possibilitar estudos mais profundos, desde fundos, a aquisição de materiais e serviços localmente;
- Demora em receber os resultados das análises através de laboratórios nacionais (3 a 5 dias úteis), e sem laboratórios que funcionem durante fins-de-semana ou feriados;
- Acesso limitado a estudos e informações locais sobre poluição ambiental na costa e afloramentos de algas.
Para aprofundar este estudo, é necessário:
- Fazer um histórico da temperatura do mar para avaliar as suas variações.
- Identificar os outros microorganismos que compõem as amostras, e recolher amostras em mais locais, incluindo Benguela, Kwanza Sul, Cabinda e Namibe. Também devem ser analisadas amostras de peixes.
- Avaliar outros parâmetros de qualidade da água como matéria orgânica, entre outros indicadores primários de eutrofização.
- Verificar mais imagens satélite, com diferentes datas e locais, e estudar os seus padrões.
- Criar uma equipa para monitorar e controlar possíveis eventos semelhantes ou mais críticos, ao longo da costa de Angola, para que haja intervenção de forma mais atempada.
- Criar uma base de dados com histórico das variações dos indicadores mencionados neste estudo, para auxiliar na detecção e prevenção de eventos futuros.
- Actualizar a Padronização Nacional de Parâmetros da Qualidade de Água.
Estratégias de Prevenção e Mitigação
As estratégias de prevenção e mitigação para combater a poluição por nutrientes e suas consequências incluem a implementação de sistemas de tratamento de águas residuais mais eficientes para reduzir descargas de efluentes ricos em nitratos e fosfatos no mar, a regulamentação do uso de fertilizantes agrícolas nas áreas costeiras, promovendo práticas agrícolas sustentáveis como a agricultura de precisão, e a criação de zonas tampão vegetadas para filtrar nutrientes antes que alcancem o oceano. É imperativo que se aumentem e se monitorizem as Estações de Tratamento de Água Residuais (ETARs) locais. Além disso, é fundamental melhorar a infraestrutura de saneamento básico, realizar campanhas de educação ambiental para sensibilizar a população e os sectores agrícola e industrial, e replantar mangais e vegetação costeira para absorver o excesso de nutrientes. A monitorização contínua da qualidade da água deve ser implementada para detectar níveis de nutrientes e a presença de algas, permitindo alertas antecipados, enquanto a aquacultura sustentável deve ser incentivada para minimizar a poluição. Por último, a criação de zonas de protecção marinha e a remoção física de algas em áreas críticas, como praias e zonas de pesca, são essenciais para permitir a regeneração do ecossistema e reduzir o impacto imediato e a longo prazo.

Conclusões Finais
Um fenómeno causado pela Noctiluca scintillans pode ser considerado um tipo de “red tide” (maré vermelha). As “red tides” ocorrem quando há uma proliferação massiva de algas (floração algal), muitas vezes dinoflagelados, que podem mudar a cor da água para tons avermelhados, laranja ou castanhos.
As marés vermelhas podem comprometer a qualidade da água e gerar um odor desagradável (relatado em várias das denúncias recebidas e confirmado durante as entrevistas), afectando diretamente as comunidades costeiras. Os pescadores, por exemplo, relataram uma redução nas capturas de peixe devido à diminuição da vida marinha ou à migração das espécies para áreas menos afectadas. Além disso, a contaminação percebida das águas gera preocupações de saúde pública, levando à diminuição das actividades recreativas e turísticas, como natação e passeios de barco, prejudicando o bem-estar e a qualidade de vida dos moradores. Embora a Noctiluca scintillans não seja tóxica para os humanos, poderá causar irritações na pele, reacções alérgicas, aumentar a sensibilidade ao sol ou causar infecções cutâneas. Recomendamos evitar o contacto com águas onde há suspeita de floração de algas, especialmente se houver sinais visíveis de contaminação, como no caso da Ilha de Luanda, durante o mês de Setembro. Se ocorrer qualquer reacção adversa, deve-se procurar orientação médica.
As amostras demonstraram níveis de nitratos e fosfatos superiores aos níveis recomendados pela OMS, indicadores de que este fenômeno de proliferação excessiva de algas, tenha sido causado pela eutrofização, conforme a hipótese da investigação preliminar publicada aos 17 de Setembro de 2024.
Ambientalmente, a proliferação excessiva de Noctiluca scintillans pode alterar o equilíbrio dos ecossistemas marinhos. Quando essas algas se decompõem, consomem grandes quantidades de oxigénio na água, provocando a hipóxia (baixo nível de oxigénio), o que pode resultar em zonas mortas, onde a maioria das formas de vida marinha não consegue sobreviver. Esse processo de eutrofização prejudica as cadeias alimentares marinhas, afectando tanto as espécies comerciais quanto os ecossistemas locais, e consequentemente, as pessoas.
Economicamente, as “red tides” afectam diretamente a pesca e a aquicultura, uma vez que a diminuição da vida marinha reduz a disponibilidade de recursos pesqueiros, afectando o rendimento dos pescadores. O turismo, uma importante fonte de rendimento nas regiões costeiras, também sofre com a perda de visitantes, já que a água contaminada e as marés vermelhas afectam a imagem e a atractividade da área.
A EcoAngola e os Guardiões da Costa Mwangolé pretendem implementar um programa de monitorização ambiental para poder estudar, detectar, prevenir, educar e advogar para que haja prevenção e mitigação, com uma resposta mais rápida e de confiança, perante situações do género.
Nota: Este é um resumo do artigo completo. Para visualizar o artigo completo clique aqui.
A EcoAngola e os Guardiões da Costa Mwangolé são associações ambientais angolanas não governamentais e sem fins lucrativos comprometidas com a preservação dos ecossistemas. As duas precisam de voluntários e apoio para implementar os seus projectos e investigações. Conheça as duas organizações, participe das actividades e apoie estas organizações. Para doar à EcoAngola: BAI AO06 0040 0000 8852 8059 1010 3 Para doar aos Guardiões da Costa Mwangolé: BAI AO06 0040 0000 1852 1574 1016 3 |
Referências
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Martin, B. et al. (2024). Studies of the Ecology of the Benguela Current Upwelling System: The TRAFFIC Approach. In: von Maltitz, G.P., et al. Sustainability of Southern African Ecosystems under Global Change. Ecological Studies, vol 248. Springer, Cham. https://doi.org/10.1007/978-3-031-10948-5_11
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