Com a necessidade urgente de desacelerar os impactos ambientais negativos, muitos países têm procurado condições de desenvolver a economia sem agredir o ambiente e no contexto angolano não é diferente. O sector industrial tem, a passos curtos, procurado abraçar o desafio de produzir bens de consumo, sem que isso propicie ou implique a destruição do ambiente. O presente artigo tem como objectivo evidenciar o contributo dos pequenos agricultores para a preservação do ambiente.
Agricultura familiar
A agricultura familiar é o tipo de agricultura que tem como mão-de-obra predominante o núcleo familiar, não dispõe de muitas tecnologias e a produção é diversificada, isto é, produz diversos tipos de alimentos. Ela é geralmente destinada a subsistência da própria família e ao mercado interno. No contexto angolano, a agricultura familiar representa mais de 80% da produção agrícola.
Este tipo de agricultura pode ser sustentável ou não. Segundo a definição de Mello (2007), a agricultura familiar sustentável é aquela que:
- É igualitária, assegurando os recursos naturais a todos os grupos sociais;
- É humana, pois satisfaz as necessidades básicas dos envolvidos;
- É autónoma, garantindo a subsistência e autonomia de todos os grupos envolvidos na produção;
- Promove a emancipação das gerações actuais e futuras;
- Preserva a cultura local das comunidades;
- É produtiva, mantendo ou melhorando a produção;
- É estável, reduzindo os seus possíveis riscos;
- É viável economicamente;
- É ambientalmente sadia, protegendo e recuperando os recursos naturais;
- Previne a degradação dos solos;
- Preserva a biodiversidade, mantendo a qualidade do ar e da água.
Preservação ambiental
Antes mesmo de emergir para a preservação ambiental, é necessário entendermos o que é o ambiente. O ambiente é o local onde se desenvolve a vida na terra, é a natureza com todos os seres vivos e não vivos que nela habitam e interagem, ou seja, é tudo aquilo que nos cerca, como a água, o solo, a vegetação, o clima e todos os componentes que fazem parte do meio natural (MAGALHÃES, 2020).
A preservação ambiental é a protecção e conservação do ambiente, face às principais acções do homem. Isto implica a consciência de que as nossas práticas pessoais reflectem no colectivo, daí a importância de cultivar e desenvolver em nós mesmos, conhecimentos, habilidades e atitudes que possam ser usadas em prol do ambiente.
De que modo a agricultura familiar pode ajudar na preservação do ambiente?
Segundo Araújo (2012), a agricultura familiar possui na sua base princípios que estabelecem uma relação harmoniosa entre o homem e o ambiente, para que este (homem) possa retirar o sustento da terra sem que, para isso, tenha que acabar com os recursos naturais e biológicos. Ainda conforme o autor, a agricultura familiar tem dado evidências do seu papel estratégico no combate à fome e à miséria, bem como da sua contribuição fundamental para garantir a segurança alimentar dos países e promover a implantação de um novo modelo de desenvolvimento, pautado na sustentabilidade.
Para a bióloga Vanessa dos Santos (2020), no que diz respeito à importância ecológica, as plantas, são a base de toda a cadeia alimentar, além de serem um recurso primoridial para muitas espécies e também por fornecerem oxigénio durante o seu processo de fotossíntese. Os conhecimentos dos pequenos produtores contribuem para uma gestão mais apropriada dos recursos naturais com o uso da biodiversidade local. É característica da agricultura familiar a produção diversificada, uma prática que diminui epidemias de doenças, melhora a qualidade de vida no campo, melhora o rendimento e contribui na renovação do solo quando implementada de forma sustentável.
Nesse modelo de produção, para o plantio e controle de doenças e pragas é predominante o uso de técnicas culturais e/ou primitivas, passadas de geração em geração, não se verificando a utilização massiva de agrotóxicos que são definidos como produtos químicos sintéticos utilizados para matar pragas, insectos, bactérias, fungos e outras plantas. A par de curiosidade, os agrotóxicos são largamente utilizados na agricultura para impedir danos nas plantações, mas o que muitos talvez não saibam é que eles são na realidade, bastante tóxicos aos humanos, as plantações, aos solos e aos corpos de água subterrâneos. A sua maioria surgiu durante a época da Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de funcionarem como arma química. Como alternativa a utilização de agrotóxicos, poderia se pensar em utilizar o controle biológico, manejo integrado de pragas, diversificação da produção, entre outras técnicas que não agridem o ambiente.
No contexto angolano, conforme aponta Correia (2013), o sector agrícola familiar representa 99,8% dos produtores, dominam 59,3% da área cultivada anualmente e, possuem uma área média de 1,4 h/família. Dados recentes confirmam que quase 90% da produção agrícola em Angola é proveniente da agricultura familiar, grande parte dos produtos cultivados são orgânicos livres de qualquer produto químico, e essa actividade merece destaque, pois além de alimentar os produtores, ela serve de alimento para o consumo de grande parte da população. Mesmo Angola sendo um país rico em petróleo, a agricultura de pequena dimensão representa uma importância vital.
A agricultura de base familiar, evidencia a sua importância económica e contribui positivamente para a conservação da biodiversidade, pois é uma estratégia para manter a sustentabilidade dentro dos seus sistemas produtivos. A título de exemplo, pode-se destacar aqui a resiliência dos pequenos produtores durante a guerra civil em Angola, que durou cerca de 27 anos. Durante esse período, era difícil o acesso aos campos agrícolas devido à destruição de pontes, estradas e também devido a utilização de engenhos explosivos que até os dias actuais continuam a ser um empecilho para o regresso ao campo. Face a essas implicações, vários produtores passaram a produzir em casa, em quintais onde se verificava a diversidade de culturas e a produção de alimentos orgânicos que se destacam por serem mais saborosos e saudáveis, quando comparados àqueles produzidos com a utilização de pesticidas.
Face ao exposto, é evidente que a nossa saúde depende da biodiversidade, os agrotóxicos causam desequilíbrio ambiental e ao desenvolvimento de diversas doenças. De maneira geral, os modelos de produção onde se verificam o uso excessivo desses produtos químicos, corresponde maioritariamente a monocultura, isto é, a produção de uma única espécie, oque muitas vezes acaba por promover o desenvolvimento de pragas, doenças e o desequilíbrio das condições físicas, químicas e biológicas do solo.
Assim, o modelo de produção de base familiar possui uma contribuição expressiva para a manutenção do ambiente, promovendo a biodiversidade, a preservação dos hábitos culturais. Em suma, promove a saúde do ambiente e, como bónus, a nossa própria saúde.
Referências bibliográficas
ARAÚJO, Elisângela. Agricultura familiar, a favor da vida, do meio ambiente, da sustentabilidade. FETRAF-BRASIL, Brasília, 07, março de 2012. Disponível em <https://bit.ly/2ZNorHh>. Acesso em: 12/07/2020.
Descubra o que é e qual a importância da biodiversidade. Dinâmica ambiental, São Paulo, 12, novembro de 2014. Disponível em: <https://bit.ly/30EcC5s>. Acesso em: 05/07/2020.
Meio Ambiente. Escola Kids. Goiás, 2020. Disponível em <https://escolakids.uol.com.br/ciencias/meio-ambiente.htm>. Acesso em: 18/07/2020.
MELLO, R. L. Agricultura familiar sustentabilidade social e ambiental. 2007.
Preservação ambiental. Portal Educação, São Paulo, 25, fevereiro de 2012. Disponível em: <https://url.gratis/vybHN>. Acesso em: 05/07/2020.
Prioridade da Investigação Agrária em Angola. I Simpósio da ASSESCA – PLP. Huambo – Angola, n. 21, p. 08, abr. 2013.
SANTOS, Vanessa Sardinha dos. “Biodiversidade”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/geografia/biodiversidade.htm. Acesso em: 20 de julho de 2020.
SILVA, José, Graziano. Agricultura familiar e sustentabilidade. Valor Econômico, Brasília, 14, junho de 2019.
Vicente Kimbamba, Angolano, estudante de Agronomia na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab). Atua como Bolsista voluntário do PIBIC UNILAB/CNPq. Faz parte do grupo de Pesquisa em Biofertirrigação GP-BIO.
Vanuza Malungo, Angolana, estudante de Química na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab). Faz parte do grupo de pesquisa NATA (Núcleo Avançado de Tecnologias Analíticas) e atua como colaboradora do Projeto de Extensão Laboratório de Práticas Docente e Diversidade (LAPRADI).