As aves migratórias constituem um dos melhores indicadores da biodiversidade mundial. Anualmente, elas viajam milhares de quilómetros e dependem de habitats e ecossistemas saudáveis para realizarem a migração. Por isso, a dimensão da população dessas aves indica o estado de conservação do planeta como um todo, já que elas não têm como sobreviver se não tiverem condições favoráveis de alimentação e abrigo durante as suas jornadas. Ao longo do percurso, as aves migratórias ajudam no controlo populacional de insectos e dispersam sementes para a renovação de várias espécies de plantas.
Para estimular a reflexão entre governos, sociedade civil e órgãos internacionais, sobre a importância ecológica das aves migratórias, a necessidade de preservação dessas espécies e dos seus habitats, foi instituído em 2006 o Dia Mundial das Aves Migratórias, que este ano se assinala nos dias 8, 9 e 10 de Maio. Apesar disso, estas aves continuam ameaçadas devida à acção perniciosa do Homem, particularmente em países com muitas fragilidades em matéria de legislação e fiscalização, onde se regista uma destruição incessante do habitat das aves migratórias, com os realce para os mangais e os estuários.
A edificação de empreendimentos imobiliários à beira-mar e as construções anárquicas nas regiões costeiras, em detrimento de campanhas de reflorestação nos mangais e restauração dos estuários e áreas naturais, prejudicam as populações de aves que passam pelo litoral durante a rota migratória, em busca das melhores condições de sobrevivência.
Por conseguinte, não se pode falar em protecção das aves migratórias sem acções concretas de preservação dos mangais. Quando o seu habitat está destruído, poluído ou ocupado, as aves migratórias voam para países vizinhos como a Namíbia ou a África do Sul, onde existem programas integrados de saneamento básico e de protecção da orla costeira e das zonas húmidas, envolvendo o sector privado e as comunidades locais.
Em Angola, a poluição dos mangais é consequência directa da falta de políticas públicas em três segmentos vitais do saneamento, nomeadamente: resíduos sólidos, drenagem das águas pluviais e descarte das águas residuais domésticas e industriais. Os resíduos sólidos acumulam-se nos mangais por duas vias: por meio dos fluxos incontroláveis de águas pluviais, resultantes da gestão deficitária de resíduos em todo o país, e pela forma como tais resíduos são descartados pelos munícipes, que não têm alternativas para se livrarem do lixo doméstico, visto que as operadoras de limpeza não cobrem sequer 30% da demanda.
Por razões essencialmente topográficas, as águas pluviais escorrem inevitavelmente para os mangais porque se encontram nas zonas mais baixas, tornando-se o ponto de descarga de toda a rede de drenagem. Quanto às águas residuais domésticas, elas são descartadas nos mangais devido à ausência de uma rede de recolha de esgotos e estações de tratamento. As comunidades são forçadas a fazer ligações das fossas e vasos sanitários directamente para as valas de drenagem, com toda a carga de contaminação daí decorrente. Esses elementos poluentes, que desembocam nos mangais, provocam o aumento ou diminuição da salinidade, diminuição de oxigénio dissolvido do local, factores essenciais para a manutenção da diversidade faunística que constitui a base da dieta alimentar das aves migratórias.
Desta feita, é imperioso que os sistemas de saneamento possam funcionar integralmente (com sistemas eficientes de recolha e reciclagem de resíduos, estações de tratamentos de águas residuais e sistemas de drenagem, retenção e reaproveitamento das águas pluviais) para que as comunidades autóctones e os turistas tenham o privilégio de apreciar a beleza deslumbrante das aves migratórias; Ao mesmo tempo que dão o seu contributo para a preservação dos mangais, que são o berçário de cerca de 80% da vida marinha e santuário incontornável das aves migratórias, entre as quais se destacam os flamingos.
Fernanda Renée é Engenheira de Petróleos e Ambientalista e José Palanca, é Engenheiro de Saneamento e Ambientalista