EcoAngola

O que sabemos – e o que ainda não sabemos – sobre a intenção de exploração de petróleo no Okavango angolano

Em Dezembro de 2020, a EcoAngola iniciou um movimento cívico alertando para o risco de actividades extractivas em zonas sensíveis de conservação em Angola. Em 2025, a assinatura de dois Memorandos de Entendimento (MoUs) entre a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANPG) e as empresas Reconnaissance Energy Africa (ReconAfrica) e Xuan Thien Group (XTG) trouxe à tona uma série de preocupações ambientais e sociais, colocando novamente a Bacia do Okavango no centro das atenções. Esta movimentação ocorre num contexto de alterações legislativas que abriram a possibilidade de exploração de petróleo e gás em áreas de conservação ambiental em Angola, incluindo a sensível região da Bacia do Okavango.

A fim de esclarecermos o público sobre o que percebemos destas mudanças, e tentarmos informar de forma credível, decidimos realizar uma investigação analisando o histórico de decisões tomadas e intenções demonstradas com base no que está disponível publicamente e que conseguimos ter acesso. Assim, este artigo baseia-se numa análise sobre as decisões políticas e jurídicas que permitiram a alteração da Lei das Áreas de Conservação para a exploração de petróleo (e não só) e também averiguar as lacunas de informação que alimentam a insegurança pública e que requerem esclarecimento.

Histórico recente das decisões políticas e legais sobre as áreas de conservação

Em 2018, o Presidente João Lourenço reafirmou, no livro Biodiversidade de Angola. Ciência e Conservação: Uma Síntese Moderna, o compromisso nacional em valorizar e proteger a biodiversidade. A Lei n.º 8/20, aprovada em 2020, sobre as Áreas de Conservação reforçou esta visão, proibindo a exploração de recursos naturais em áreas de conservação ambiental. Contudo, menos de um ano depois, foram introduzidas alterações profundas que levaram a manifestação de esclarecimentos sobre estas mudanças e os seus porquês, pois a Lei n.º 12/21 altera a anterior, permitindo “de forma excepcional” a exploração de petróleo e gás nas áreas protegidas, mediante regulamentação própria. Esta alteração foi criticada pela sociedade civil e pela oposição parlamentar, apontando falta de auscultação pública, e com vários pedidos de esclarecimento,  tendo sido escrita e entregue uma carta aberta ao Ministério do Ambiente (na altura Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente), com 4736 assinaturas, já em 2020. Entretanto, já em 2024, é então publicado o Decreto Presidencial nº 50/24 que aprovou o novo Regulamento sobre Áreas de Conservação Ambiental, consolidando o quadro legal que possibilita actividades extractivas em zonas de conservação, abrindo assim caminho para novos projectos extractivos em zonas até então protegidas.

Fig. 1: Áreas de conservação em Angola. Fonte: INBC.

O Parque Nacional da Mavinga e o Parque Nacional de Luengue-Luiana são áreas de proteção integral, segundo a lei angolana. Em ambos os parques, as actividades de exploração de petróleo e gás são proibidas em regra geral, mas podem ser autorizadas de forma excepcional conforme o artigo 8.º da Lei n.º 12/21, desde que obedecendo a regulamentação própria e a realização de Estudo de Impacte Ambiental específico.

O que foi recentemente anunciado: MoUs para exploração do Okavango angolano

Em Março de 2025, a Xuan Thien Group assinou um MoU com a ANPG para a realização de estudos sísmicos 2D e levantamentos técnicos numa área de 300.000 km², com a duração inicial de 3 anos. Logo em seguida, em Abril de 2025, a ReconAfrica e a ANPG, assinaram um MoU para a realização de planos de estudos geológicos, geoquímicos, sísmica 2D e análise de exsudações, com a exploração de 5,2 milhões de acres, com o prazo inicial de 2 anos.

Fig. 2: Mapa da área de MoU entre ANPG e ReconAfrica. Fonte: ReconAfrica 2025.

Ambos os projectos incidem sobre áreas que incluem os ecossistemas do Okavango angolano, reconhecidos pela sua biodiversidade ímpar e pela presença de comunidades como os San.

Angola, Botswana e Namíbia integram a Comissão Permanente da Bacia do Rio Okavango (OKACOM), com o objetivo de coordenar a gestão dos recursos hídricos da bacia do rio Cubango-Okavango, que se estende pelos três países. Angola também é parte da Área de Conservação Transfonteiriça Kavango-Zambeze (KAZA-TFCA), com Botswana, Namíbia, Zâmbia e Zimbabué com o objectivo de promover a conservação da biodiversidade e o desenvolvimento socioeconómico sustentável da região.

Fig. 3: Kavango Zambezi Transfrontier Conservation Area (KAZA-TFCA). Fonte: KAZA TFCA.

O Delta do Okavango, alimentado pela água proveniente de Angola, é também Património Mundial da UNESCO desde 2014, e também um Sítio Ramsar, classificado como Zona Húmida de Importância Internacional, segundo a Convenção de Ramsar, desde 1996.

Estas duas protecções internacionais obrigam os países signatários (no caso, Botswana, mas Angola também é parte da Convenção) a proteger e gerir o ecossistema de forma sustentável, respeitando os seus valores ecológicos, especialmente por ser um dos sistemas de deltas interiores mais importantes e maiores do mundo. Qualquer actividade que possa alterar o estado ecológico do Delta do Okavango (ou da bacia que o alimenta, como é o caso das nascentes em Angola) viola os princípios de proteção internacional assumidos nos acordos da UNESCO e da Ramsar.

O que permanece por esclarecer

Apesar das notícias e anúncios, continuam a existir várias lacunas de informação que preocupam a sociedade civil e as comunidades locais:

  • Relativamente aos procedimentos ambientais, onde podemos encontrar os estudos de impacto ambiental referidos pela ANPG em 2021, e reafirmados em 2023? Foram submetidos a debate público? Até ao momento não temos conhecimento de quando, aonde e com quem.
  • Quem foram os especialistas ambientais envolvidos nos estudos de pré-viabilidade anunciados pela ANPG? De onde são?
  • Há provas de que comunidades locais, como os povos San, tenham sido devidamente consultadas ou estão à margem do debate? Qual é o plano para garantir o envolvimento real das comunidades locais?
  • Quais serão as tecnologias utilizadas para estes estudos e quais os impactos previstos? Em projectos na Namíbia, por exemplo, a ReconAfrica enfrentou acusações de uso de métodos de extracção controversos (como fracking). Mais informações em artigo publicado pelo National Geographic, o que desperta por algumas inquietações para as recém-assinadas MoUs.
  • Apesar das declarações públicas sobre responsabilidade social e ambiental, que mecanismos de compensação e mitigação estão previstos para as comunidades afectadas? E quais são as garantias oficiais de monitorização independente?
  • Como será garantida a integridade dos ecossistemas do Okavango, que sustentam milhares de vidas humanas e espécies, dentro dos acordos de conservação transfronteiriços, na qual Angola é participativa e signatária?
  • Se pretendemos desenvolver e promover o turismo sustentável nesta região, não estaremos a contradizer os nossos planos? Ou haverá falta de alinhamento entre os diferentes órgãos governamentais?
  • Há algum posicionamento ou orientação por parte do Ministério do Ambiente?
Fig. 4: Mapa hidrográfico da KAZA-TFCA. Fonte: KAZA-TFCA.

A principal preocupação dos ambientalistas são os riscos de poluição destas fontes de água para todas as pessoas e biodiversidade desta região.

Um decisão crítica para Angola, para África e para o mundo

O Okavango é mais do que uma reserva de recursos: é um dos últimos ecossistemas intactos do planeta, vital para a biodiversidade, para as comunidades locais e para o combate às alterações climáticas.

A ausência de transparência e a falta de envolvimento da sociedade civil em processos que envolvem áreas de alta sensibilidade ambiental, tem gerado um clima de desconfiança e insegurança. Neste processo do Okavango, em particular, tem aumentado a desconfiança pública devido à ameaça em comprometer não só o futuro do Okavango, mas também a imagem de Angola no cenário internacional.

É urgente garantir um debate público sério, transparente e fundamentado, onde o interesse de longo prazo do país — das pessoas, da biodiversidade e do planeta como um todo — prevaleça sobre ganhos imediatos.

Para que se possa construir uma Angola sustentável, inclusiva e baseada no respeito pelos direitos ambientais e humanos, é fundamental que o Governo e as empresas envolvidas disponibilizem informação completa, consultem efectivamente as comunidades locais, e sigam rigorosamente os padrões internacionais de protecção ambiental.

A responsabilidade de proteger o Okavango não é apenas nacional — é um compromisso perante toda a humanidade. Este é um momento de decisão, em que cada escolha contará para definir se seremos recordados como os que preservaram um dos últimos tesouros naturais do mundo, ou como os que o sacrificaram por ganhos efémeros.

A sociedade civil, as comunidades locais, os cientistas, e todos os que se preocupam com o futuro de Angola e do planeta, devem exigir transparência, responsabilidade e coragem política.

A defesa do Okavango é um símbolo de esperança e também a defesa de todos nós. Por isso, o futuro do Okavango, e das populações que dele dependem, exige responsabilidade — e exige respostas. 

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