Comemora-se no dia 16 de Julho o Dia Mundial das Serpentes!
As serpentes são animais vertebrados pertencente à Ordem Squamata, que significa “animais com escamas”. Esta ordem é uma das três ordens que actualmente compõem a Classe Reptilia (ou dos répteis). As restantes ordens de répteis são a Crocodilia, onde se encontram todos os crocodilos, jacarés e gaviais, e a Testudines, a que pertencem as tartarugas e cágados. Todos os répteis apresentam características em comum que os definem: são todos animais vertebrados tetrápodes (possuem um esqueleto típico de um animal com quatro patas), poiquilotérmicos (não conseguem regular a sua temperatura interna autonomamente, o que leva a que sejam vulgarmente apelidados de animais de “sangue frio”), pele seca e sem glândulas mucosas, e amniotas (apresentam embriões protegidos por uma membrana amniótica).
As serpentes, dentro dos Squamata, são aquelas que mais se distinguem morfologicamente, nomeadamente pela ausência de membros. Os antepassados das serpentes, membros deste grupo de “animais escamados”, apresentavam, no entanto, braços e pernas como os demais lagartos. A evolução dos antepassados das serpentes levou-os a perder progressivamente os membros e a adoptar um corpo muito mais “serpentiforme”, como hoje aprecíamos nas serpentes. Algumas serpentes, tal como as pitões e jibóias, apresentam ainda hoje estruturas vestigiais dos membros anteriores no seu registo ósseo, atestando assim esta hipótese. Esta perda de membros aparenta ter-se dado há mais de 100 milhões de anos, e pode ter sido motivada pela necessidade de exploração de habitats subterrâneos e/ou apertados, como tocas ou buracos, para caçarem presas.
Actualmente são conhecidas mais de 3700 espécies de serpentes em todo o mundo. Estas estão divididas por 39 famílias e quase 540 géneros, o que representa uma diversidade incrível em termos de formas, cores, dimensões, comportamentos e estratégias de vida. Esta diversidade é facilmente compreendida se compararmos algumas das espécies mais famosas: das gigantes Anacondas Sul-Americanas, às pequenas e mortíferas cobras-de-coral, das serpentes marinha às víboras arenícolas dos desertos, das Cobras-cuspideiras às inofensivas serpentes-rateiras. Tamanha diversidade é impossível de resumir em poucas palavras e sem enumerar centenas de espécies diferentes, e talvez seja essa uma das razões pela qual numerosos cientistas (e não-cientistas!) por todo o mundo são fascinados pelo estudo destes animais. Esta diversidade é também ela fácil de apreciar no continente Africano.
Embora os números sejam pouco precisos, nomeadamente pelo próprio continente ser um dos menos conhecidos relativamente à sua biodiversidade, e por anualmente se descrevem várias novas espécies de serpentes novas para a ciência em África, estima-se que a diversidade de espécies de serpentes se cifre em números muito próximos das três centenas.
Onde quer que nos encontremos em Angola estamos sempre acompanhados por serpentes. Este fascinante grupo de répteis são um dos elementos mais típicos e comuns da fauna Angolana e representam um considerável número do total de espécies de animais vertebrados que ocorrem no país. Actualmente conhecem-se mais de 120 espécies de serpentes em Angola, sendo algumas destas endémicas (exclusivas) do país. Este número, um dos mais elevados de toda a África Austral, está, no entanto, em constante evolução, quer pela descoberta de espécies que só se conheciam de países vizinhos quer pela descrição de novas espécies para a ciência.
Só na última semana foram descritas quatro novas espécies de serpentes para Angola – três das quais endémicas. A descoberta de novas espécies para o país têm sido uma constante na ultima década, e há medida que novas investigações são levadas a cabo por equipas de investigação nacionais e estrangeiras, este número irá certamente continuar a crescer.
Devido à sua particular posição geográfica no continente, Angola apresenta-se como um dos países mais ricos em termos de biodiversidade. Esta riqueza deve-se especialmente ao facto de Angola apresentar uma excepcional diversidade de habitats e biomas, que variam das densas florestas tropicais (Cabinda), a zonas de escarpa (Uíge, Kwanza Norte, Kwanza Sul e Huíla), savana (Malanje, Moxico, Bié, Cunene e Cuando-Cubango), mangais (Zaire), sub-desertos (Benguela), zonas xéricas (Benguela, Namibe) e desertos (Namibe). Esta diversidade de biomas, organizados numa lógica latitudinal de norte para sul, fazem com que a fauna de Angola apresente ao mesmo tempo elementos faunísticos típicos das zonas mais centrais e outros característicos das zonas mais austrais do continente Africano.
Para além desta interessante diversidade zoogeográfica, Angola apresenta ainda zonas de especial interesse biogeográfico que, pelo seu isolamento e/ou particularidades geográficas e biológicas, albergam diversas espécies endémicas, isto é, que em todo o mundo só aí existem. Este padrão não é um exclusivo das serpentes ou dos répteis, mas extensível a todos os outros grupos de fauna e flora.
No que diz respeito às serpentes, o norte de Angola apresenta uma diversidade de espécies cuja distribuição se estende desde as zonas centro-Africanas (Gabão, Camarões, República do Congo e República Democrática do Congo) atingindo o seu limite de distribuição sul no norte de Angola. Por outro lado, no sul de Angola, e em particular as províncias do Namibe, Benguela, Huíla, Cunene e Cuando-Cubango, é possível encontrar várias espécies de serpentes que encontramos noutros países da África austral (Namíbia, Botswana, Zâmbia, África do Sul, Zimbabwe e Moçambique), e que de forma análoga às suas congéneres do Norte, encontram no sul de Angola o limite norte da sua distribuição.
Assim sendo, muitas destas espécies que encontramos no Sul não são encontradas no Norte e vice-versa. No entanto, na grande diversidade de espécies de serpentes que se conhece em Angola, existem também casos cuja distribuição se estende por todo o país, e que a nível do continente têm uma distribuição extremamente alargada. Não será, portanto, difícil de perceber que estas espécies sejam das mais conhecidas dos Angolanos. Neste rol listam-se por exemplo as famosas e temíveis Mamba-Negra (Dendroaspis polylepis) e Surúcucu/M’Buta (Bitis arietans). Por outro lado, Angola apresenta ainda espécies de serpentes venenosas endémicas, como a rara e praticamente desconhecida Víbora-de-Angola (Bitis heraldica), cuja distribuição conhecida se limita às zonas altas do centro-oeste do país.
Embora a grande maioria das espécies de serpentes que ocorrem em Angola sejam inofensivas para o homem, existem várias cujo veneno é consideravelmente perigoso podendo causar problemas de saúde que podem ir desde um simples mal-estar, à necessidade de amputação de membros, ou em certos casos à morte.
As serpentes venenosas são uma constante preocupação para os Angolanos e para as centenas de milhares de expatriados que vivem e trabalham no país. Não é caso para menos. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) os acidentes causados pela mordida de serpentes venenosas, também conhecidos por acidentes ofídicos, são um dos mais negligenciados e dos mais severos problemas de saúde pública que afectam as comunidades em África. Este reconhecimento levou a que muito recentemente, em 2017, a OMS tenha classificado o envenenamento por mordida de serpente como uma Doença Tropical Negligenciada de Categoria A, a mais alta e severa das categorias usadas para classificar este tipo de doenças. Uma estimativa realizada em 2016 refere que os envenenamentos por mordida de serpente afectam mundialmente mais pessoas do que outras doenças tropicais negligenciadas tais como a leishmaniose visceral, a lepra, a bouba, a doença das chagas, a doença do sono e a úlcera de Buruli juntas. Para além dos acidentes fatais, muito dos casos de mordida por serpente venenosa resultam em casos de incapacidade ou desfiguração permanente das vítimas, tornando-as também num problema de carácter humanitário.
Esta situação é tão mais grave, tendo em conta que a maior prevalência e risco de acidentes do género são as áreas rurais mais pobres, tendo a OMS estimado que cerca de 20 a 40% das vítimas deste tipo de acidentes em África sejam crianças, seguido por trabalhadores rurais e agricultores. Não existem de momento dados concretos para o caso Angolano, mas assume-se que se enquadre no quadro geral do continente.
Desde 2012 que eu e a minha equipa trabalhamos em estreita e profícua colaboração com o Instituto Nacional da Biodiversidade e Áreas de Conservação do Ministério do Ambiente (hoje Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente), bem como várias universidades Angolanas. No âmbito desta parceria temos realizado várias palestras e acções de divulgação de resultados, sempre com bastante presença do público. Embora não trabalhemos exclusivamente com serpentes, em todas estas acções com o público há uma pergunta que é sempre garantida: “Então e as serpentes venenosas?”. Esta preocupação mais que legítima levou-nos a preparar um guia ilustrado das serpentes venenosas de Angola, que, se tudo correr como planeado, será lançado nos próximos meses, e apresentará a todos os interessados, numa linguagem clara e acessível, a grande diversidade de espécies de serpentes venenosas que ocorrem no país, bem como dicas de primeiros socorros para caso de mordedura.
Mas nunca é demais referir a importância ecológica que as serpentes têm nos ecossistemas. Todos os animais e plantas que encontramos na natureza têm o seu papel para o equilibro do ecossistema. Este equilíbrio é fundamental não só para a preservação e conservação do nosso património natural para as gerações futuras, mas também para garantir a manutenção dos variados serviços e bens que a natureza nos oferece.
As serpentes, tal como os restantes animais, têm também o seu papel no ecossistema, e o seu desaparecimento acarretaria consequências bastante graves. Como predadores as serpentes são responsáveis pelo controlo de várias populações das suas presas. Muitas espécies de serpentes, incluindo as venenosas, são dos principais predadores de roedores. Os roedores, onde se incluem desde os ratinhos do campo às ratazanas, são animais que na ausência de predadores apresentam um crescimento explosivo, com consequências diretas para o ecossistema onde estão, mas também para o bem-estar Humano. As pragas de roedores são muitas vezes responsáveis pela perda de colheitas inteiras, enquanto as ratazanas podem transportar várias parasitas e doenças que afectam a saúde humana.
Assim sendo, sempre que vir uma Serpente em Angola lembre-se que está na presença de mais uma maravilha da evolução, de uma peça fundamental para o funcionamento dos nossos ecossistemas, e de um animal que merece todo o nosso respeito e admiração.
Bom Dia Mundial das Serpentes!
[Nota: Partes deste texto foram adaptados da obra no prelo “Serpentes Venenosas de Angola: Guia de Identificação e Primeiros Socorros” de Luis M. P. Ceríaco & Mariana P. Marques]. Caso queiram saber mais informações podem contactar o herpetólogo através do seu e-mail: lmceriaco@mhnc.up.pt