A gestão de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) em qualquer sociedade é um assunto que deve merecer a devida atenção por parte da população e do governo, pois a intensa urbanização decorrente dos processos evolutivos industriais e da massificação populacional, provoca o surgimento de problemas ambientais, sociais e económicos.
A má gestão dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) tem impacto directo na vida de cada cidadão. Por essa razão, é crucial e urgente discutir as questões voltadas ao ambiente, pois estas estão intrinsecamente relacionadas com a qualidade de vida das populações.
Almeida (2017) afirma que a gestão dos resíduos sólidos urbanos segue um circuito que deve ser respeitado desde a sua deposição até ao destino final, e que deve obedecer à seguinte ordem sequencial:
O que se espera de Angola, é uma Gestão Integrada de Resíduos Sólidos que pode ser entendida como a maneira de “conceber, implementar e administrar sistemas de gestão de resíduos sólidos urbanos, considerando uma ampla participação dos vários sectores da sociedade e tendo como perspectiva o desenvolvimento sustentável (Junior, 2007).
O Regulamento Sobre Gestão de Resíduos em Angola, publicado em 2012, define legalmente “Resíduos” como sendo substâncias ou objectos de que o detentor se desfaz ou tem a intenção ou obrigação de se desfazer, que contêm características de risco por serem inflamáveis, explosivos, corrosivos, tóxicos, infecciosos ou radioactivos, ou por apresentarem quaisquer características que constituam perigo para vida ou saúde das pessoas e para o meio ambiente (FLASH INFORMATIVO, 2012).
Quando os resíduos não são devidamente depositados em aterros sanitários mas em lixeiras a céu aberto, tornam-se um problema para a saúde pública e contribuem para a poluição das águas superficiais e subterrâneas, tornando-as impróprias para o consumo humano (Sousa, 2009).
Em Angola, apesar do Decreto Presidencial nº 190/12 de 24 de Agosto aprovar os regulamentos sobre a gestão de resíduos em conformidade com o disposto no nº 1 do artigo 11, da Lei nº 5/98 de 19 de Junho (Lei de Bases do Ambiente de Angola), a questão dos resíduos sólidos urbanos ainda é um problema que merece maior atenção das autoridades competentes, pois os resíduos sólidos urbanos são também responsáveis pela produção de gases de efeito estufa (monóxido de carbono, metano e o dióxido de carbono) que causam o aumento significativo das temperaturas médias globais, bem como causam chuvas ácidas.
Cruz (2005) em sua dissertação de mestrado, afirma que os Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) quando depositados em espaços abertos (lixeiras) e sem qualquer processo de tratamento, causam contaminação dos solos que se pode agravar com a escorrência das águas das chuvas que arrastam a excessiva carga orgânica. Estas, por sua vez, podem contaminar aquíferos com elementos patogénicos afectando negativamente os mares e rios, comprometendo o habitat dos peixes e outros animais aquáticos, e consequentemente também afectando a saúde pública.
Almeida (2017), em sua dissertação de mestrado diz que em Angola os resíduos são depositados em lixeiras e são na sua maioria posteriomente queimados, produzindo quantidades variadas de substâncias tóxicas, como gases, partículas de metais pesados (por exemplo o chumbo), compostos orgânicos, dioxinas e furanos.
Segundo a Agência Angola Press (ANGOP), em 2014 foi inaugurada a Agência Nacional de Resíduos (ANR), onde as suas principais funções eram a regulamentação da actividade e concessão de serviços públicos no sector de resíduos sólidos, execução de políticas públicas, gestão de resíduos e a criação de programas para a prevenção na geração, reutilização, reciclagem, tratamento e disposição final de resíduos, obedecendo a critérios de protecção ambiental, qualidade e eficiência de serviços sem esquecer a viabilidade económica dos projectos.
No entanto, foi feita em Junho de 2020 uma reforma de Estado e redimensionamento de Institutos Públicos a nível do governo angolano, para aumentar a eficiência na prestação de serviços públicos. Desta reforma resultou a fusão da ANR com outros órgãos (Unidade de apoio à Monitoria Ambiental, Auditória Industrial e Gestão de Derrames e o Instituto Nacional de Gestão Ambiental), dando lugar ao novo Instituto Nacional de Sustentabilidade Ambiental. Cabe agora ao novo Instituto trabalhar em acções para a mitigação dos impactos que os “RSU” têm causado na sociedade angolana.
Os resíduos como parte da sobrevivência de muitas famílias em Angola
De acordo com a ANGOP, todos os dias os problemas relacionados à péssima gestão de “RSU” repetem-se em vários cantos do país, agora com cerca de 32 milhões de habitantes e uma taxa de desemprego de aproximadamente 29 % (entre os 15 e 64 anos de idade), segundo dados recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE). As pessoas mais afectadas são as de baixa renda, dentre as quais destacam-se: crianças, jovens (particularmente mulheres), idosos e portadores de deficiência, que procuram nos contentores e lixeiras a céu aberto materiais que possam ser vendidos para o seu sustento.
Os catadores, como são chamados frequentemente, recolhem garrafas de vidro e de plástico, fios de cobre, latas, ferros e outros materiais para vender a empresas e organizações que fazem a reciclagem ou reutilizam alguns destes resíduos.
A recolha e venda de resíduos, é feita sem levar em conta as observâncias de normas de saúde pública, e desta forma expõe os catadores a diversos riscos de contaminação por não possuírem materiais de higiene e segurança apropriados para este tipo de actividade, e nem informações cautelosas para realização do trabalho de reciclagem de “RSU”.
Principais problemas identificados na gestão de resíduos sólidos em Angola
Apesar dos esforços empreendidos em Angola, com a criação de uma Agência Nacional de Resíduos, ainda são frequentes práticas que não reflectem uma boa gestão de resíduos sólidos, nomeadamente:
- Recolha deficiente dos resíduos, por falta de meios (como apontado pelas administrações), levando ao triste cenário de depósito e acúmulo dos resíduos no chão, valas de drenagem a céu aberto ou junto de águas paradas;
- Escassez de contentores para o descarte;
- Pouca ou até mesmo ausência de educação ambiental e sensibilização das comunidades;
- Pouco incentivo para a recolha selectiva e sem pontos de deposição;
- Não colaboração da população na deposição dos resíduos nos locais devidos. Muitas vezes verifica-se o descarte dos resíduos na via pública;
- Alagamento de alguns bairros em tempo chuvoso, impedindo a circulação das pessoas;
- Famílias carenciadas tornam-se catadoras de resíduos para o sustento, sem meios de protecção, correndo sérios riscos de contrair doenças.
Proposta de acções para melhorar o actual quadro da gestão de Resíduos Sólidos Urbanos
É necessário primeiramente admitir que a forma como é feita a gestão de resíduos em Angola é errada, e depois começar a dar passos em direcção à mudança, começando com um projecto educativo que seja sustentável e que envolva a sensibilização da população em Angola. Face a isto, Almeida (2017) e nós sugerimos que se aposte no seguinte:
- Formação de técnicos de educação ambiental para a promoção de campanhas de sensibilização em conjunto com os órgãos do Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente e do Ministério da Saúde;
- Incluir a educação ambiental no Programa Lectivo/Plano Curricular das escolas, como forma de instigar desde cedo as crianças a adoptar uma cultura de práticas sustentáveis;
- Realização de campanhas de sensibilização, palestras, criação de vídeos educativos de como preservar o ambiente;
- Realização de campanhas de acompanhamento das comunidades para promover a preservação ambiental;
- Adopção do princípio do “Poluidor Pagador” (adoptado por países como Brasil e Ruanda), onde se responsabiliza o poluidor pela degradação do ambiente. Este princípio pode ser apoiado pelo artigo 5 do Decreto Presidencial 194/11 de 7 de julho (Lei sobre os Danos Ambientais);
- Criação de uma Força Policial Ambiental responsável por fiscalizar e fazer cumprir os decretos e leis inerentes aos “RSU”, pois a falta de controle faz com que a população retire resíduos das lixeiras e aproveite para diversos fins, inclusive para se alimentar e vender a empresas que trabalham no ramo de reciclagem de “RSU”, conforme explicado acima;
- Implementação de uma reforma no processo de recolha dos resíduos, que inclua a recolha selectiva com a implementação de ecopontos e incentivos fiscais para empresas de reciclagem;
- Eliminação das lixeiras a céu aberto e impossibilitar o depósito de lixo nas valas de drenagem;
- Implementação de aterros sanitários controlados, acompanhados de mantas impermeabilizantes que evitam a infiltração do chorume ôrganico, bem como de um sistema de drenagem que retire os líquidos formados, sem agredir o ambiente. Utilizar ainda os gases emitidos nesse processo como uma fonte de energia.
Existem muitas formas e vários modelos eficazes de resolver os problemas de resíduos sólidos urbanos no país. A preservação do ambiente não pode ser vista de forma isolada, há que se pensar num todo, sem haver distinção de status social, por se tratar de uma questão de ordem colectiva. Todos somos chamados a contribuir, reciclando o nosso lixo, tratando adequadamente o esgoto das nossas casas, denunciando os abusos contra o ambiente, utilizando produtos biodegradáveis e, criando na comunidade o espírito de responsabilidade ambiental e social que todos possam beneficiar.
Referências
ALMEIDA, A. R.V. Problemática da Gestão dos Resíduos Sólidos Urbanos em Angola: Estudo de caso: Província da Huíla Município do Lubango. Tese (Mestrado em Ambiente e Recursos Naturais) – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, p.114.2017.
Angola- Lei nº 5/98 de 19 de Junho de 1998. Lei de base do Ambiente do ambiente. Luanda 1998.
ANGOP- Agencia Angola Press. Moxico: População deve cumprir horário de deposito de resíduos sólidos. Disponível em: http://www.angop.ao/angola/pt_pt/noticias/sociedade/2017/11/52/Moxico-Populacao-deve-cumprir-horario-deposito-residuos-solidos,b5667a85-69e5-4b42-a9a8-3eb3c31b623a.html. Acesso em 20/06/2020.
ANGOP- Agencia Angola Press. Lixo vira “Ouro” de famílias carentes. Disponível em: https://pool1.portalangop.co.ao/angola/pt_pt/noticias/sociedade/2019/8/38/Lixo-viraouro-familias-carentes,85d9cae4-86fc-4bb2-9530-fa670f845b8a.html. Acesso em 20/06/2020. (a)
ANGOP- Agencia Angola Press. Ambientalista desaconselha a construção de aterros sanitários. Disponível em: http://m.portalangop.co.ao/angola/pt_pt/noticias/ambiente/2019/4/19/Ambientalista-desaconselha-construcao-aterros-sanitarios,e7260b7b-0997-4be0-935e-b344795c3cb5.html. Acesso: 20/06/2020. (b)
CRUZ, M. L. F. R. Caracterização de resíduos sólidos no âmbito da sua gestão integrada. Tese (Mestrado em Qualidade Ambiental) Escola de ciências. Universidade de Minho. Braga, 2005.
FLASH INFORMATIVO. Novo Regulamento Sobre Gestão de Resíduos Sólidos. Disponível em : https://www.vda.pt/xms/files/v1/Newsletters/Flash_VdAtlas_Angola___Novo_Regulamento_sobre_a_Gestao_de_Residuos_em_Angola_-DM_2312849_1-.PDF. Acesso: 26/06/2020.
JORNAL DW. Lixo continua a fazer parte da paisagem de Luanda. Disponível em : https://www.dw.com/pt-002/lixo-continua-a-fazer-parte-da-paisagem-de-luanda/a-19196652 Acesso em: 20/06/2020.
SOUA,I.M.P.A. S. Fatores Favoráveis e Desfavoráveis à Adesão dos Cidadãos à Separação Seletiva de Resíduos Sólidos Urbanos, na Cidade do Seixal, enquanto cidade. Tese (Mestrado,) Escola Nacional de Saúde Pública. Universidade Nova de Lisboa. Lisboa. 2009.