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Catadores De Materiais Recicláveis Em Angola

A 1 de Março é celebrado o “Dia Mundial dos Catadores de Materiais Recicláveis”, em memória às vítimas do massacre de Ottawa, ocorrido na Universidade Livre de Ottawa, na Colômbia, em 1992, quando 11 catadores foram assassinados no trabalho, com o objectivo de tráfico de órgãos. Em memória às vítimas e em resposta às inadequadas condições de trabalho, o preconceito e discriminação que esta categoria profissional vivencia na sociedade, foi consagrada a data no Primeiro Encontro Internacional de Catadores, que reuniu 34 países na Colômbia, em 2008. 

Actualmente, mais de 15 milhões de pessoas em todo o mundo (cerca de 1% da humanidade) trabalham com a recolha, triagem e reciclagem de resíduos gerados pelas cidades (OIT, 2021). 

Os resíduos têm valor pois constituem matéria-prima para novos produtos. Nesta senda, a recolha de resíduos vai ganhando corpo em Angola, principalmente em Luanda, onde as famílias têm enfrentado grandes dificuldades de subsistência e por ser a província com maior geração de resíduos. Existe um volume significativo de resíduos e/ou materiais recicláveis no nosso país, que se for muito bem explorado e gerido, poderá constituir uma grande fonte de receitas para o país. O reaproveitamento dos resíduos é visível em sociedades muito mais avançadas que a nossa.

Considerando os aspectos mencionados acima, foi elaborado esse artigo, com o objectivo de abordar a temática do papel dos catadores no sistema de gestão de resíduos, os principais desafios enfrentados, o papel do estado e os impactos dessa actividade para a economia circular. 

 

Fonte: https://oglobo.globo.com/rio/rio-so-reaproveita-3-das-84-mil-toneladas-de-lixo-geradas-por-dia-4340754

Importância dos Catadores para o Sistema de Gestão de Resíduos:

Os catadores realizam um trabalho essencial à vida e ao desenvolvimento sustentável do planeta, contribuindo para a logística reversa de materiais recicláveis, pois são responsáveis pela retirada de toneladas de resíduos das residências, armazéns e lojas, via pública, margens de rios e outros locais inapropriados para o descarte. Eles prestam um serviço ambiental, assegurando que o equilíbrio ecológico seja garantido, evitando danos ambientais, gerando o aproveitamento de resíduos sólidos e economia dos recursos naturais. O trabalho também gera impacto na redução de emissão de gases no ambiente, e renda para milhares de famílias, com desenvolvimento sustentável para o país (OIT, 2021). 

A actividade como tal, tem apoiado na redução da criminalidade em determinadas localidades, retirando do mundo do crime, vários jovens sem uma formação técnica e sem meios de subsistência, que a partir da recolha de resíduos conseguem sustentar com o mínimo possível, as suas famílias. Apesar dessas contribuições ambientais e sociais, os catadores de materiais recicláveis geralmente não são legalmente reconhecidos como trabalhadores, e sofrem com as condições precárias de trabalho e com a falta de protecção social adequada. 

Contudo, realça-se que nos últimos tempos têm sido criadas, em Angola, estratégias para valorização desta franja com lançamentos de alguns projectos a semelhança do foi tornado público no dia 10 de Fevereiro de 2023, na província do Huambo, denominado por Projecto de Inserção Social de Catadores de Resíduos Sólidos (PICAR). 

Trata-se de uma iniciativa conjunta entre o Governo da província do Huambo e o Instituto Nacional do Emprego e Formação Profissional (INEFOP). O que pretende contribuir para transformar a forma precária de trabalhar dessas pessoas, mediante realização de cadastramento, formação, atribuição de material de segurança, higiene e organizá-los em cooperativas. Por outro lado, o Ministério da Economia e Planeamento na senda da concepção de estratégia de valorização dos Resíduos Sólidos, tem trabalhado num dossiê de inclusão social dos Catadores. 

Associações de Catadores de Resíduos em Angola

Existem em Angola, algumas associações de catadores de resíduos pelo que neste artigo trazemos a Associação dos Jovens Catadores de Materiais Recicláveis de Angola (AJOCAMARC) uma organização sem fins lucrativos que trabalha para melhorar as condições de vida dos catadores de resíduos em Angola. Eles fornecem treinamento e educação para catadores de resíduos e trabalham para melhorar as condições de trabalho desses indivíduos

A AJOCAMARC também trabalha em parceria com outras organizações, como o Banco de Desenvolvimento Angolano (BDA), para fornecer financiamento para projectos relacionados à reciclagem (ANR, 2023).

O novo instrumento de recolha de resíduos em Luanda visou a implementação da “cadeia de valor dos resíduos” e “melhorar a sua gestão durante todo o ciclo produtivo”. Autoridades de Luanda garantiram que a estratégia para aplicar o modelo de gestão dos resíduos sólidos, apresentada na capital angolana, surge para “valorizar os resíduos“, através da reciclagem, transformação e exportação, abrindo espaço para o empreendedorismo. 

A Maior valorização dos resíduos sólidos, além da empregabilidade e o empreendedorismo, faz parte dos eixos da estratégia, apresentada durante um Conselho de auscultação da comunidade, pelo assessor jurídico até então da Governadora de Luanda, Dário Bamba. 

No entanto, os detalhes específicos sobre qual tipo de resíduo é o mais valorizado não foram mencionados nos resultados da pesquisa. Pode variar dependendo de vários factores, incluindo o tipo de material, a demanda do mercado, os custos de processamento e as políticas locais. A reciclagem de certos materiais, como plástico, vidro e metal, pode ser lucrativa se houver infraestrutura adequada e demanda do mercado.

Principais Desafios e Dificuldades:

Uma publicação da OIT “Cooperativas e o mundo do trabalho n.º 12 (“Cooperatives and the world of work n.º 12″), indica que os maiores déficits de trabalho enfrentados pelos catadores são os seguintes: 

1. Ambiente de trabalho perigoso e falta de segurança e saúde no trabalho (SST): os catadores enfrentam regularmente riscos de doenças e lesões por serem expostos a materiais tóxicos, resíduos contaminados ou itens pontiagudos, adicionado ao facto de não possuírem equipamentos de protecção individual (luvas, máscaras, botas, fardas, chapéus, protector solar), que podiam amenizar os possíveis impactos desses riscos à sua saúde. As pessoas que trabalham nas lixeiras a céu aberto ou encaram directamente os contentores de lixo, podem também ser atropeladas por camiões ou serem vítimas de afundamentos de superfície, deslizamentos e incêndios. 

2. Baixo lucro e posição fraca em relação aos intermediários: Catadores de materiais recicláveis, particularmente quando não organizados em cooperativas, muitas vezes apresentam uma posição de negociação fraca perante os intermediários que compram os recicláveis e recebem baixos preços pelo material recolhido, sem a possibilidade de opinar ou fazer qualquer tipo de negociação, colocando-se em uma posição de total desvantagem. 

3. Estigma social e discriminação: Catadores geralmente pertencem a grupos socialmente desfavorecidos e vulneráveis (por exemplo, migrantes, refugiados, desempregados, mulheres, crianças, pessoas com deficiência, minorias étnicas e religiosas). Frequentemente enfrentam estigma, são discriminados e assediados por actores públicos e privados nas cadeias de gestão de resíduos. 

4. Inexistência de um sistema de gestão de resíduos sólidos bem estruturados: Os catadores enfrentam o grande desafio de terem que aceder directamente os contentores de lixo ou as lixeiras, porque o sistema actual de recolha de resíduos não contempla ecopontos, que permitam a separação prévia dos resíduos em recipientes diferentes, de acordo com a característica dos mesmos. 

Legislação: 

Angola não possui uma lei específica que regule a actividade realizada pelos catadores, porém essa classe de trabalhadores geralmente é autónoma e garante o seu próprio sustento por meio das vendas do material que recolhe nas ruas. 

Foi criada uma estratégia que contempla sete iniciativas bastantes ambiciosas, desde a produção legislativa, formalização da actividade de recolha e a componente tecnológica aprovada ao nível do Conselho de Ministros, no dia 26 de Fevereiro, apesar de não haver um horizonte temporal para a entrada em vigor nem definição da entidade que vai implementar (Jornal de Angola, 2023).

 Considerações Finais: 

Assim sendo, espera-se que políticas inclusivas de gestão de resíduos considerem e integrem os catadores de materiais recicláveis às cadeias formais de reciclagem, de modo a potencializar a contribuição que essa classe dá à promoção da reciclagem e da circulação de recursos, para a criação de trabalho decente, redução da pobreza e inclusão social. É importante que os catadores continuem a realizar o seu trabalho, organizados em cooperativas de associados, para a garantia dos seus direitos e melhoria das condições de trabalho, em alinhamento com os órgãos do estado responsáveis.

A sua presença nas ruas têm alterado a mentalidade dos cidadãos, fazendo com que não sejam descartados resíduos que podem ser reaproveitados e reciclados. Embora Angola já tenha pequenas empresas interessadas em receber e tratar os resíduos para a reciclagem, ainda não o faz na escala em que outros países do continente já o fazem e um número reduzido transforma-os em nova matéria-prima para a indústria. Para alterar esse cenário, é necessário apostar na formação técnica de quadros nacionais em gestão especializada de resíduos, captar financiamentos para o sector, analisar modelos eficazes já implementados em outros países e mobilizar a participação activa de todos os intervenientes. 

REFERÊNCIAS 

      1. BALDIM, M. L. L. S.; PEREZ, F. J. F.; CHAMON, E. M. Q. O.; FREITAS, M. R.; GUEDES, L.C. V.; CAMARINI, G. (2020) Catadores de materiais recicláveis: uma análise sobre a conquista de seus direitos e contribuições para o desenvolvimento sustentável. Revista Humanidades e Inovação, v.7, n.17. Acessado a 25/03/2023. Disponível no link: https://www.researchgate.net/publication/346570383_CATADORES_DE_MATERIAIS _RECICLAVEIS_UMA_ANALISE_SOBRE_A_CONQUISTA_DE_SEUS_DIREITOS_ E_CONTRIBUICOES_PARA_O_DESENVOLVIMENTO_SUSTENTAVEL/link/5fc7a6 7745851568d132601b/download 2

      1. COSTA, C. M. (2008) Reciclagem e cidadania: Trajectória de vida dos catadores de resíduos reciclagem na comunidade de Reciclo. Dissertação do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília/UnB. Acessado a 25/03/2023. Disponível no link: https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/1889/1/2008_ClaudiaMoraescosta.pdf 

    Organização Internacional do Trabalho – OIT (2021) Dia Mundial dos Catadores de Materiais Recicláveis chama atenção para a necessidade de promoção do trabalho decente para a categoria profissional no Brasil. Acessado a 25/03/2023. Disponível no link: https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_774321/lang–pt/index.htm

    Sobre o Autor

    Pedro João, Licenciado em Antropologia Faculdade de LETRAS e Ciências Sociais, da Universidade Agostinho Neto, é escuteiro do agrupamento 139, repórter de imagem e técnico Mixer da rádio Maria e voluntário da campanha de resíduos e poluição da EcoAngola.

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