A diversidade nas comunidades locais é o resultado de processos históricos, regionais e locais que afectam a extinção, especiação e dispersão de espécies que, por sua vez, determinarão as biotas e os domínios biogeográficos regionais. No entanto, desde o início das grandes rotas interoceânicas e transoceânicas, a humanidade tem mudado significativamente a distribuição de espécies e os padrões biogeográficos, introduzindo organismos além da sua distribuição nativa.
Espécies introduzidas (alienígena, exótica, não-indígena, não-nativa) são aquelas que foram transportadas, intencionalmente ou não através de meios mediados por humanos, para regiões onde elas não existiam anteriormente. Segundo as definições adoptadas pela Convenção Internacional sobre Diversidade Biológica (COP-6, Decisão VI/23, 2002), se a espécie introduzida consegue reproduzir-se e gerar descendentes férteis, com alta probabilidade de sobreviver no novo habitat, ela é considerada estabelecida. Caso a espécie estabelecida expanda a sua distribuição no novo habitat, ameaçando a diversidade biológica nativa, ela passa a ser considerada uma espécie introduzida invasora.
Uma vez no novo habitat, as espécies marinhas introduzidas podem dispersar-se para substratos naturais e artificiais, causar impactos ecológicos e socioeconómicos em: biodiversidade (ex. redução na riqueza de espécies), habitats (ex. perda de habitat), interacções bióticas (ex. competição por recursos ou espaço), genéticos (ex. alteração na pool de genes por hibridização), turismo (ex. redução de actividades turísticas), pesca (ex. redução da abundância de espécies comerciais), aquicultura (ex. redução na qualidade dos produtos), embarcações-amarrações (ex. aumento do custo de manutenção como resultado da presença de organismos incrustantes), etc. (Ruiz et al. 2000; Hewitt et al. 2004; Çinar et al. 2014). Os impactos ecológicos também podem ser observados em diferentes níveis biológicos de organização: genéticos, individuais, populacionais, comunitários, ecossistémicos, regionais e globais, tendo em mente que o que afecta um nível de organização, frequentemente afecta outros níveis. A bioinvasão é reconhecida como a segunda principal causa de perda de biodiversidade (IUCN 2000), impactando os serviços ecossistémicos. Portanto, o conhecimento desses eventos é de extrema importância para o desenvolvimento de políticas públicas nacionais e os seus efeitos negativos, podem ser motivo de especial preocupação em regiões do mundo onde o estado de conhecimento da biota marinha é relativamente pobre, pois podem promover a perda da biota nativa antes mesmo antes de ser conhecida pela ciência.
A maioria das invasões marinhas é conhecida em águas protegidas de baías e estuários, em vez de costas mais expostas. A maior parte do comércio mundial ocorre por transporte marítimo entre portos, concentrados em baías e estuários, criando oportunidades para transferências de espécies associadas a cascos de navios e materiais de lastro. Além disso, as baías são focos para muitas outras actividades conhecidas por transferir organismos, como aquacultura, pesca e recreação ao ar livre. De facto, as marinas são algumas das áreas marinhas mais invadidas no mundo, como resultado do aumento da pressão do propágulo e condições ambientais alteradas. As condições hidrológicas e ambientais locais modificadas permitem fornecer protecção aos barcos, mas por sua vez criam condições favoráveis para a chegada de espécies introduzidas. As marinas são então pontos focais ideais para a detecção precoce dessas espécies, o que pode ser um aspecto essencial para uma potencial erradicação e um manejo efectivo e fornecem um excelente ambiente para experimentos para testar teorias sobre mecanismos subjacentes ao processo de invasão, especialmente durante as fases de assentamento e estabelecimento.
Estudos sobre espécies marinhas introduzidas e os seus impactos sobre os ecossistemas no Hemisfério Sul são escassos, quando comparados à Europa e América do Norte, e concentrados em algumas áreas, como Nova Zelândia e Austrália. Estudos do Atlântico Sul que descrevem espécies introduzidas estão, na sua maioria, restritos às costas argentina, brasileira e sul-africana. Dentre os estudos mais importantes, foram relatadas mais de 75 espécies introduzidas na região ao largo do Uruguai e da Argentina; 42 espécies introduzidas de invertebrados bentónicos associadas a incrustações em cascos de embarcações na costa brasileira e 95 espécies introduzidas para a África do Sul.
Considerando o grande número de espécies introduzidas reportadas para a região do Atlântico Sul e o intenso tráfico de escravos que ligaram os continentes americano e africano desde o século XVI, é esperado que a pouco conhecida costa ocidental tropical de África esteja exposta à intensa introdução de espécies introduzidas. No entanto, as mesmas são desconhecidas ou relatadas, na sua maioria, em revistas locais ou na literatura cinzenta.
Angola possui vários portos internacionais e marinas, com uma história de navegação de mais de 500 anos, iniciada pela chegada dos primeiros colonos europeus e intensificada por um forte tráfico de escravos. No entanto, o conhecimento sobre a fauna nativa e introduzida da costa angolana é escasso, impedindo uma melhor compreensão da distribuição das espécies para o Atlântico Sudeste. A falta de avaliação ecológica e estudos das espécies introduzidas marinhas em Angola criou uma lacuna em relação à sua distribuição actual e impacto nas comunidades nativas.
Recentemente, deu-se o início à investigação em bioinvasões marinhas ao longo da costa Angolana, concretamente em invertebrados marinhos, com os primeiros estudos a serem realizados nas baías de Luanda e do Lobito, entre o período de 2016 e 2017. Para além disso, foi feito um levantamento bibliográfico exaustivo sobre a biodiversidade marinha, de forma a serem detectadas espécies potencialmente introduzidas na costa Angolana, mas nunca antes categorizadas como tal, resultando na categorização de 29 espécies introduzidas de invertebrados marinhos de vários grupos taxonómicos, como esponjas, cnidários, crustáceos, poliquetas, ascídias e briozoários. Dos estudos efectuados nas duas baías, foram identificadas 21 espécies introduzidas, das quais 13 espécies são relatadas pela primeira vez em águas angolanas. A maior parte das espécies introduzidas tem origem no hemisfério norte, uma consequência da principal via de introdução, que foi provavelmente a proveniente do Atlântico Norte/Mar Mediterrâneo durante a colonização portuguesa, apesar de também ter-se verificado introduções vindas da Ásia, sendo que as mesmas poderão ter-se dado mais recentemente, com o aumento de trocas comerciais entre Angola e China nos últimos 10 anos. Várias espécies sinantrópicas, causadoras de perdas ecológicas e económicas em habitats costeiros em todo o mundo, foram registadas para a região sendo mandatória a existência de estratégias de manejo de espécies introduzidas em águas angolanas.
Certamente subestima-se a diversidade de espécies introduzidas e, desta forma, avaliações regulares e rigorosas, especialmente em relação a outros táxons ainda não mencionados, e monitoramento das espécies marinhas introduzidas ajudarão a entender melhor os vectores, rotas e o tempo das introduções, bem como o papel dos portos e marinas como fontes de invasões marinhas ao longo desta costa.
Torna-se assim decisivo o estudo das bioinvasões marinhas na costa tropical ocidental de África no geral, e em Angola em particular, por razões tanto económicas como ecológicas, mas sobretudo para se ter uma imagem global da situação e seleccionar acções para a conservação dos habitats marinhos.