A conservação de chita (Acinonyx jubatus) e mabeco (Lycaon pictus) constitui um grande desafio para os conservacionistas no século XXI. Outrora, ambas espécies estavam amplamente distribuídas em África, sofreram uma dramática redução em número e distribuição geográfica nas últimas décadas (IUCN/SSC 2015). Uma das mais importantes particularidades destas duas espécies é a grande necessidade de território, especialmente se comparada com outros grandes carnívoros. Enquanto uma chita ou uma matilha de mabecos pode precisar até 3000km2 de habitat, um leão precisa menos de 400km2 e um leopardo, menos de 100km2 (RWCP). Com as populações humanas a invadirem as últimas zonas selvagens de África, estas duas espécies em particular, são susceptíveis à destruição e fragmentação do habitat, sendo muitas vezes as primeiras espécies a desaparecer (INBAC/RWCP, 2016).
Conservar as duas espécies significa conservar grandes espaços de habitat, incluindo muitos herbívoros dos quais dependem para se alimentar. É por isso que são escolhidas como espécies com efeito guarda-chuva, uma vez que se a sua conservação garante de igual modo a conservação de muitas outras espécies, as suas presas (têm preferência por ungulados abaixo de 40 kg, em especial impalas, gazelas e filhotes de gnu) e grandes áreas selvagens.
Pouco se ouve falar sobre a existência de chita e mabeco no nosso país, razão pela qual foi redigido este artigo, com o objectivo de elucidar sobre o estado de conservação global das duas espécies, a sua ocorrência e densidade populacional em Angola, com recurso às actividades que têm sido desenvolvidas e/ou monitoradas pelo Plano de Acção Nacional para a Conservação de Chita e Mabeco em Angola, bem como outros projectos de conservação de carnívoros terrestres implementados a nível nacional.
Distribuição geográfica de chita e mabeco em Angola
Em termos de ocorrência histórica, chitas e mabecos encontravam-se distribuídos em quase todo o país, nas zonas Nordeste e Centro-Sul, nos habitats de florestas abertas e savanas (MINAMB et al, 2009). A distribuição de mabecos em Angola permitiu que o país ocupasse o quinto 5º lugar com maior distribuição de mabecos em África, com o primeiro registo reportado em 1886, nas proximidades do actual Parque Nacional da Mupa (Bocage 1898), seguido por registos em outros pontos do país feitos por investigadores como Crawford-Cabral & Simões (1989) entre outros (Overton et al. 2020).
A densidade populacional destas espécies continua em declínio a nível mundial, sendo actualmente estimada como inferior a 6700 indivíduos de chita e menos de 1500 indivíduos de mabeco (IUCN, 2020).
Tabela 1: Distribuição actual de chita e mabeco em Angola, informação recolhida em relatórios de levantamentos elaborados pela RWCP-INBAC, Projecto Panthera e OKAVANGO Wilderness Project.
ÁREA DE CONSERVAÇÃO | CHITA | ESTIMATIVA POPULACIONAL | MABECO | ESTIMATIVA POPULACIONAL |
PN Quiçama | Extinta localmente | ______________ | _________________ | ______________ |
PN Iona | Com registo actual | ≈30 indivíduos | ________________ | ______________ |
PN Bicuar | Extinta localmente | ______________ | Registo actual de população residente | ≈ 50 indivíduos |
PN Mupa | __________ | Registo actual de população provavelmente não residente | ≈ 25 indivíduos | |
PN Luengue-Luiana e PN Mavinga | Com registo Actual | 151 (± 101) indivíduos | Com registo actual | 599 (± 260) indivíduos |
PN Cameia | __________ | ______________ | Há relatos de sua ocorrência, mas carece de confirmação por uma pesquisa de campo | ______________ |
RNI Luando | Extinta localmente | ______________ | Registo actual de população provavelmente não residente no sul da Reserva | ≈ 20 indivíduos |
● RNI – Reserva Natural Integral
Estatuto de conservação de Chita e Mabeco
Ambas espécies estão globalmente ameaçadas de extinção:
Chita
- Classificada como Vulnerável (VU), segundo a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN);
- Enquadrada na Categoria B, Ameaçada de Extinção, na Lista Vermelha das Espécies de Angola (Ministério do Ambiente, 2018);
- Enquadrada no anexo I na Convenção das Espécies Migratórias de Fauna Selvagem (CMS) – que engloba espécies migratórias, ameaçadas de extinção, que foram avaliadas como estando em perigo de extinção em toda ou uma parte significativa da sua distribuição;
- Enquadrada no anexo I da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e Flora Selvagem (CITES), onde o comércio dos seus espécimes (exemplar de uma espécie, representada por um indivíduo ou uma amostra do mesmo) está sujeito a regulamentação e autorização em circunstâncias excepcionais e particularmente estritas, a fim de não colocar ainda mais em risco a sua sobrevivência.
Mabeco
- Classificado como Em Perigo (EN), segundo a Lista Vermelha da IUCN;
- Enquadrado na Categoria B, Ameaçada de Extinção, na Lista Vermelha das Espécies de Angola;
- Enquadrado no anexo II da Convenção de Espécies Migratórias da Fauna Selvagem (CMS), anexo de espécies com estatuto de conservação desfavorável ou que beneficiariam consideravelmente com o estabelecimento de protocolos de cooperação internacional.
Segundo a Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies de Fauna e Flora Selvagens (CITES), apesar da sua importância ecológica como principais carnívoros (Woodroffe & Ginsberg, 2005) e do seu valor para a indústria de turismo em África (Lindsey et al., 2007), muito pouca acção de conservação foi implementada até a presente data. A maioria das Áreas de Conservação em África são muito pequenas para conservar populações viáveis de chita e mabeco e os esforços de conservação em áreas não protegidas foram até aqui restritos a poucos projectos. Angola, apesar de apresentarem outros desafios de conservação, pode ser uma excepção, pois as suas áreas são extensas e existe uma oportunidade única de interligar as diferentes áreas de conservação existentes por meio de corredores naturais, tornando um dos países de Africa com maior extensão de habitat viável contínuo para estas duas espécies e não só.
A Estratégia Regional para a Conservação de Chita e Mabeco na África Austral aponta três factores que têm particular importância no insucesso das actividades de conservação para chita e mabeco:
- A necessidade de áreas extensas exigidas pelas espécies, para a manutenção da viabilidade dos indivíduos;
- A escassez de informação sobre as espécies, sua distribuição e estatuto de conservação em alguns países e ferramentas apropriadas ao alcance de uma conservação efectiva;
- A capacidade técnica e institucional de conservação destas espécies é limitada na maioria dos países Africanos.
Tendo em conta estes factores, questões de conservação associadas a chita e mabeco são abordadas de forma conjunta, pois são muito similares ecologicamente e daí enfrentam ameaças semelhantes, embora sejam taxonomicamente diferentes, como demonstra o enquadramento sistemático de cada espécie:
Enquadramento sistemático de Chita e Mabeco:
Chita | Mabeco | |
Reino | Animalia | Animalia |
Filo | Chordata | Chordata |
Classe | Mammalia | Mammalia |
Ordem | Carnivora | Carnivora |
Família | Felidae | Canidae |
Género | Acinonyx | Lycaon |
Espécie | A. jubatus (Schreber, 1775) | L. pyctus (Temmick, 1820) |
À título conclusivo, Angola é neste momento o 5º país de África com maior área de zonas em que o mabeco está classificado como residente (Overton et al, 2020) e tem potencial de se tornar, tanto para chita como mabeco num dos países com maior área residente e talvez até com maior número de indivíduos. Por isso, Angola tem um papel importantíssimo na sobrevivência destas duas espécies.
Um dos desafios para a conservação dos carnívoros em Angola cinge-se na criação de legislação específica para a conservação, na promoção e criação de mais projectos de conservação deste grupo com estatuto especial de conservação, pois apresentam uma densidade populacional criticamente baixa, na qual Chita e Mabeco fazem parte.
Clique nos links abaixo para obter mais informações sobre chita e mabeco em Angola:
Bibliografia
- CITES (S.A) https://cites.org/eng.
- CMS Secretariat (2020). Convention on the Conservation of Migratory Species of Wild Animals. Disponível em https://www.cms.int/en/species?field_species_class_tid=443.
- INBAC/RWCP (2016). Plano de Acção Nacional de Conservação de Chita e Mabeco em Angola. Disponível em http://www.cheetahandwilddog.org/WP/staging/9849/wp-content/uploads/2017/06/Plano-Nacional-de-Ac%C3%A7%C3%A3o-de-Conserva%C3%A7%C3%A3o-da-Chita-e-Mabeco-em-Angola_FINAL.pdf.
- IUCN (2020). The IUCN Red List of Threatened Species. Version 2020-2. Disponível em https://www.iucnredlist.org.
- IUCN/SSC (2015). Estratégia Regional para a Conservação da Chita e Mabeco na África Austral. IUCN/SSC Gland, Switzerland e Range Wide Conservation Program for Cheetah and African Wild Dogs. Disponível em http://www.cheetahandwilddog.org/WP/staging/9849/wp-content/uploads/2017/06/revised-and-updated-southern-african-conservation-strategy-for-cheetah-and-african-wild-dogs_2015_portuguese.pdf
- Ministério do Ambiente et al (2009). Guia de Campo dos mamíferos de Angola. Offset Lda, Luanda.
- Okavango Wilderness Project: https://www.nationalgeographic.org/projects/okavango/why/
- Overton JM, Elizalde DC, Elizalde SRFF, et al. Endangered African wild dogs (Lycaon pictus Temm.) in Angola: Filling a 50-year gap of knowledge with findings from two National Parks. Afr J Ecol. 2020;00:1–6. Disponível em https://doi.org/10.1111/aje.12715.
- Panthera https://www.panthera.org/cms/sites/default/files/The%20Distribution%20and%20Status%20of%20Lions%20and%20Other%20Large%20Carnivores%20in%20Luengue-Luiana%20and%20Mavinga%20National%20Parks%2C%20Angola.pdf
Hilária Valério:
- Coordenadora da Campanha de Sustentabilidade da EcoAngola
- Coordenadora Nacional para a Conservação de Chita e Mabeco em Angola (RWCP/INBAC).
Sara Elizalde e David Elizalde:
- Pontos Focais da RWCP em Angola